Higiene bucal. Estas duas palavrinhas são o mínimo que qualquer mortal precisa pra ter uma dentição da qual se orgulhe. E eu digo “mínimo” porque tem-se que considerar outros fatores, tais como: genética, condições sistêmicas, histórico de trauma, sorte… 🙂
Vamos considerar um paciente padrão. Ele é provido de uma genética favorável, não apresenta nenhuma condição sistêmica que prejudique diretamente sua higiene bucal (uma doença que afete sua coordenação motora, por exemplo, e que impeça ou dificulte o uso da escova de dentes e do fio dental), nunca sofreu um acidente grave em que teve perda de elementos dentários. Uma pessoa comum.
A maioria dos pacientes são pessoas comuns, e chegam no consultório odontológico com queixas e justificativas recorrentes. Esses mesmos pacientes não costumam se orgulhar das condições bucais que exibem. Abordei essa questão no post Vergonha do Dentista. Hoje quero bater mais uma vez na tecla da co-responsabilidade do profissional e do paciente odontológico. Com especial atenção para a parte que cabe a esse último.
Na faculdade somos compelidos a motivar a higiene bucal dos nossos pacientes, especialmente na disciplina de periodontia (parte da Odontologia que trata dos tecidos de suporte dos dentes). Acho sim que é um papel que nos cabe, e que muitas vezes negligenciamos. Mas uma coisa que eu nunca engoli é a posição de que se o paciente não faz uma boa higienização a culpa é do dentista, pois ele não orientou e/ou motivou o paciente como deveria. Discordo.
Certa vez um paciente chegou, muito bravo, na clínica onde eu então trabalhava. Perguntei o porquê de sua irritação. Ele me contou que 6 meses antes havia feito uma “limpeza” com uma colega minha, da mesma clínica, e queria o seu dinheiro de volta. O que o contrariava era o fato de que havia se passado apenas 6 meses e os seus dentes já estavam todos sujos e cheios de tártaro de novo! O que estava claro, pra ele, é que a “limpeza” da minha colega era muito ruim, pois não durava nada.
“Sr. Fulano, o senhor tem carro?” Ele respondeu que sim, imaginando em que contexto se encaixava aquela pergunta. Perguntei então se ele costumava lavar seu próprio carro. Ele disse que não, que levava o veículo a um lava car. “Com que frequência o senhor lava seu carro?” A essa altura, o homem já estava achando que eu queria comprar o carro dele… ou que o tratamento ia custar o valor do veículo! 😀 Ele me respondeu que a cada 2 semanas, mais ou menos.
“Pois bem”, continuei. “E se o senhor deixar de levar o seu carro com frequência no lava car, o que acontece?” Ele respondeu: “O meu carro vai ficar sujo!” (aí ele já imaginava onde é que eu queria chegar…). Levantei a seguinte hipótese: “E se o senhor não levar o seu carro para lavar durante 6 meses e, durante esse tempo, pegar chuva, sol, pó, participar de um rally off-road, etc…. quando aparecer no lava car, vai reclamar com o dono do estabelecimento da sujeira do seu veículo e pedir o dinheiro da última lavagem de volta?” Pois é.
Atendi o homem e fiz a “limpeza” caprichada que ele queria (e precisava). Expliquei como higienizar seus dentes. E deixei bem claras as possibilidades que ele tinha para manter sua condição bucal do jeito que eu deixei quando ele saiu:
1. Não comer nada que sujasse seus dentes até a próxima consulta. (= deixar o carro na garagem) OU
2. Vir me visitar a cada 2 semanas. (= levar o carro pra lavar de vez em quando) OU
3. Escovar os dentes e usar o fio dental regularmente. (comprar uma mangueira e um esfregão e… mãos à obra!)
Não transfira a responsabilidade pela sua saúde bucal pra nada e pra ninguém. Dentes sujos não aparecem simplesmente na sua boca, eles são produto de uma higiene bucal inadequada e/ou negligenciada. Tomar muito antibiótico na infância não faz os seus dentes se quebrarem sozinhos e gravidez não é motivo para os seus dentes caírem, por mais que você acredite nessas coisas. Tem alguma dificuldade e precisa de orientação? Procure um dentista. Mas lembre-se: estamos aqui pra fazer a nossa parte. A sua só cabe a você.
18 comentários
E quanto custa em média uma limpeza caprichada? Pode ser repetida de quantos em quantos meses?
Dante, depende da “sujeira”. Cada paciente é diferente, tanto em relação à dificuldade da “limpeza” quanto à necessidade periódica dela. É preciso avaliar em específico. Veja –> https://medodedentista.com.br/2013/11/quanto-custa-em-media-um-tratamento-no-dentista.html
Incrível é vc, lindona. Nossa, é mt talento numa pessoa só. Vc é bonita, inteligente, parece ser uma ótima pessoa e ainda fez esse site com excelentes textos muito bem escritos, esclarecedores, respondendo com simpatia as dúvidas das pessoas. Beijaria sua mão ou seu pé (se forem bonitos kkk) se pudesse, rs. Adoro ler seus posts… agora q to de férias então… viche… já percebeu, né?
É… dá pra perceber que você tá de férias… 🙂
Ana Lindona, o problema é q ngm nasce sabendo e vcs dentistas estudaram anos para aprender o q muita gente não sabe e vão morrer sem saber – aliás, morrer sem dentes tbm. É muito difícil aprender as coisas sozinho e escovar os dentes, acredite, é uma coisa q uma criança ou adolescente menos se preocupa. Muitos pais são tão banguelos como seus pais tbm foram, não serão eles exemplo de higiene bucal q a pessoa precisa. Se for pobre então, talvez só verá a cor de um jaleco de dentista quando a situação estiver “braba” mesmo.
Muitas pessoas escovam os dentes e talvez não façam isso da maneira correta ou mais adequada; vc deve saber disso melhor q eu! Então me responda: se não é o dentista q deve ensinar o paciente como fazer a higiene bucal, quem é q deve então?
Com certeza não é a mãe q usa dentadura, certo?! Alguém já conseguiu flagrar uma criança usando fio dental?! Vc acha q alguém vai no dentista a cada 6 meses sem q algum dente esteja doendo? Se vc não fosse dentista, iria?
Percebe?
É muito uma questão de orientação, CONSCIENTIZAÇÃO. Sabe quantas vezes já vi propagandas de conscientização da higiene bucal? Nenhuma. Pra isso vcs não fazem protesto, né “amor”(rs)? Nem mesmo quando o paciente paga vcs dentistas ensinam! Nem consigo imaginar como o dentista ensinaria no consultório alguém a escovar os dentes. Como é a cena?
Vcs deveriam receber cada cliente como se fosse uma criança q não sabe escovar os dentes, e de fatos muitos não sabem mesmo senão não estariam no consultório. Pessoas q precisam antes de tudo de orientação. Dentista “peão” não vai orientar ngm, né? Claro q tudo depende tbm do interesse e disponibilidade do paciente. Eu bateria palmas se o dentista se propusesse a me mostrar a melhor maneira de escovar os dentes, por exemplo. É claro q hj eu já sei fazer isso, mas quando me disseram q o “tio” ia me mostrar, já se passaram 20 anos e até hj estou esperando.
Ana, vc é boa demais pra ser dentista, rs. (brincadeira)
Nico, ensinar a escovar os dentes é tarefa do dentista sim… concordo com você. Já fiz isso no consultório muitas vezes, e na maioria delas por iniciativa minha, e não do paciente, infelizmente. A impressão que eu tenho é que as pessoas acham que sabem escovar os dentes porque é “fácil”, qualquer criança sabe. E não é… e aí elas fazem errado e complicam tudo. O problema mesmo é que a muitas pessoas, enquanto você explica, ou não estão prestando atenção ou têm preguiça de fazer direito depois… e vergonha de perguntar de novo. Se o paciente volta no seu consultório, você ainda tem como intervir. Mas se ele some…
E é verdade… as pessoas só vão no dentista quando o dente dói. É um hábito burro, mas é assim que as pessoas se comportam. Você pode até ligar para o paciente a cada 6 meses “avisando” que tá na hora de um check up… mas você acha que faz diferença? Só se for uma “olhadinha” de graça, aí até pode ser… mas aí quem não quer sou eu, até porque as contas não se pagam sozinhas… e ficamos todos esperando o dente doer. Compreendo que $$$ (ou a falta de) pode ter a ver com isso… mas saúde é prioridade (ou deveria ser). Sem querer generalizar, é claro, tem gente que troca de celular a cada 6 meses mas “não tem dinheiro” pra ir no dentista. Prioridades. E tem dentista nas Unidades de Saúde também… “de graça” (de graça nada, haja imposto pra usufruir desse direito).
Enfim, conscientizar é preciso. Orientar é preciso. Ensinar é preciso… eu procuro fazer isso diariamente, tanto no consultório quanto no blog. Mas se o paciente não se ajuda, eu não tenho como ajudá-lo. Ser saudável não é, só, uma questão de sorte… exige que o paciente, principalmente o odontológico, seja proativo.
Nico, você é incrivel. Eu nunca sei se fico lisonjeada ou ofendida com os seus elogios ambíguos. Obrigada. Eu acho. 😛
Bem, eu agora sempre escovo os dentes e uso o fio dental, mas eu sempre tenho duvidas se faço ambas as coisas da forma correta, porque eu li em outro site que quase ninguem escova os dentes corretamente. E eu vivo preocupada com isso, mas tenho vergonha de abordar o tema com a minha dentista, porque ela vai achar que sou mais tapada do que ja sou.
Erika, não tenha vergonha de perguntar… é nosso trabalho orientar o paciente sobre higienização. Se se sua dentista achasse (o que eu duvido) que você é tapada por perguntar, infinitamente mais tapada seria ela. 😉
É, quem tem dentes certinhos deveria se orgulhar e cuidar deles. Eu tô com um montão de ferro nos dentes (aparelho, disjuntor) e arranquei outros por falta de espaço, cheio de dores para deixar tudo certo, enquanto um beneficiado pela natureza simplesmente joga tudo o que tem no lixo.
Acredito que a responsabilidade é do paciente, porêm gravidas têm sim alterações hormonais e anti-bióticos tomados na formação dos dentes são fatores que tornam pacientes vulneráveis a cárie!!!!
Sem dúvida, Sergio! Eu mesma, durante a gravidez, tive pequenos sangramentos gengivais. A diferença é que a minha higiene era adequada e regular, por isso não precisei me preocupar a respeito. E alguns antibióticos realmente interferem na formação dos dentes, a Tetraciclina, por exemplo. O problema, e é pra isso que chamo a atenção, é que as pessoas tentam transferir a responsabilidade que têm sobre sua saúde bucal. Existem, sim, vítimas das circunstâncias, mas existem, mas ainda, gente com preguiça (ou mal orientada). 🙂
Obrigada pela visita e pelos comentários. Abraço!
>BOm, não lembro exatamente oq eu escrevi ontem, mas foi algo mais ou menos assim
A Ana sempre aborda de maneira peculiar os assuntos mais pertinentes do nosso dia a dia.
Parabéns de novo por mais um excelente post!
>Hahaha! A historinha do lava-car é uma ilustração que com certeza irei utilizar daqui pra frente!
Parabéns por mais uma excelente postagem, Ana!
>Julio, você fez pro seu paciente uma daquelas próteses que sujam??? Tsc tsc tsc… 😛
Complicado, né?! Você diz: "O senhor precisa melhorar a higienização". O paciente escuta: "Seu porco!" É um assunto delicado mesmo, mexe com o brio das pessoas.
Obrigada pela visita e pelos comentários! Abraço! 🙂
>Ótimo post! Fico sempre devendo comentários por aqui, mas sempre passo para ler e apreciar as postagens que são incríveis!
Parabéns sempre!
Já comentou sobre os pacientes que jogam a culpa no "medo de dentista" para justificar a condição de doença bucal?
Acho que esse post ilustra bem que, por mais que o paciente tenha medo de dentista e evite a consulta, ele deveria higienizar sempre muito bem seus dentes!
>Simplesmente SENSACIONAL a comparação com o lava car!
Infelizmente, muitos pacientes querem se isentar da responsabilidade que têm na manutenção do resultado do tratamento. E, claro, acabam colocando a culpa na gente! Mas temos culpa sim! E temos que assumir: quando damos as orientações aos pacientes, a gente esquece de dizer que não fazemos milagre na boca deles… 😛 Ou eles mudam a postura e começam a cuidar da própria saúde bucal, ou daqui a 6 meses terão todos os tártaros de volta!
Parabéns pelo excelente post, diva!
>Pois é…Semana passada um paciente chegou com a mesma conversa,só que este tinha uma pt confeccionada há um ano e encontrava_se com depósitos de calculo.Queria o dinheiro de volta,porque aquilo "cresceu" na dentadura que eu tinha feito…O problema é que muitos pacientes se ofendem quando pedimos para escovarem os dentes.
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