Tô pagaaaaaaano!

Cheguei em casa e abri o Twitter. Na minha TL, dentistas reclamando. #Mimimis à parte e, embora as situações sejam variadas, percebo que a mágoa é sempre a mesma: falta de respeito, ausência de valorização, excesso de “tô pagaaaaaaano”!

Pra quem atende convênios, a desvalorização costuma ser dobrada. A [maioria das] operadoras de planos odontológicos veem o dentista como operário, algo muito aquém do conceito de “parceiro” que pregam. Os pacientes, por sua vez, sofrem da Síndrome de Lady Kate: basta tirar a carteira do bolso e está eliminada a necessidade de tratar o dentista com cortesia. Tem gente que pensa assim.

O problema são as pessoas!

Só nesta semana ouvi várias historinhas que ilustram o que eu estou dizendo:

  1. O paciente precisa ser atendido e só pode naquele horário que, via de regra, o consultório está fechado. Você mobiliza a equipe, paga horas extras e fica lá à disposição. A pessoa não aparece porque teve “um compromisso” de última hora.
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  2. Faz 10 anos que o cidadão não pisa num consultório odontológico. O convênio demora a liberar o tratamento dele, coisa de 15 ou 20 dias. Você se solidariza com ele e comenta que na época que não tinha Internet costumava demorar até mais. Ele te manda “baixar o topete” e diz, aos gritos, que nunca mais nessa vida põe os pés no seu consultório.
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  3. Você trabalha numa Unidade de Saúde. Após o exame clínico, o paciente é informado da necessidade de tratar o canal do 36. Ele olha pra você e diz que “prefere arrancar”. Você diz que não é bem assim, que precisa haver indicação para extração. Ele propõe: “E se eu te der R$ 10,00?” (enquanto balança a cédula pra você ver).
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  4. É dia da consulta mensal ortodôntica do Joãozinho. Neste dia, ele com pressa, chega e já vai se acomodando, pois não pode perder a hora do treino de futebol (pelo qual ele paga caro). Você o atende normalmente e, na hora que você sugere receber pelo seu trabalho, ele diz: “A minha mãe mandou você ligar pra ela!”. Aí a mãe do menino avisa que hoje não vai dar pra pagar, só na segunda. Se der.

Sério, gente… não inventei nenhuma das situações acima. Elas realmente aconteceram… e acontecem todo dia. Fico imaginando a ideia que alguns pacientes (e longe de mim generalizar) fazem do dentista que os atende. Na imaginação deles, creio, somos assim:

  • Disponíveis em qualquer horário, já que não temos nenhuma outra atividade além de sermos dentistas.
  • Quando o paciente falta, é folga. Bora pra praia!
  • Não temos despesas. Todo dinheiro que entra é 100% de lucro.
  • Não temos pressa em receber. Primeiro atendemos, depois recebemos. Quando (e se) der.
  • Nossas decisões clínicas dependem exclusivamente da vontade do paciente. Se ele manda arrancar, considere feito!
  • Quando discordamos da vontade do paciente, nosso parecer pode ser modificado mediante suborno.
  • Como somos empregados dos nossos pacientes, já que eles nos sustentam, dispensamos sermos tratados com educação.

Educação. Não aquela que a gente aprende na escola (que é mais ensino que educação) e nos prepara para sermos profissionais competentes, mas aquela que recebemos em casa e nos torna pessoas de bem, capazes de enxergar além dos nossos próprios umbigos, sensíveis às necessidades do próximo. Infelizmente, essa instrução caseira sobre respeito ao semelhante parece estar em falta. E o resultado taí: gente abanando dinheiro na sua cara com a intenção de pagar baratinho por sua alma ou distribuindo perdigotos enquanto proclama, aos berros, a sua incompetência em mimar marmanjo.

Guarde o seu dinheiro.

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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7 comentários

  1. Sinceramente, ficar abanando uma nota de R$10 na sua frente? Falta de respeito a gente vê sempre, infelizmente. Mas tudo tem limite! As pessoas perderam o senso do ridículo. Gostaria MUITO de estar errado, mas pode ser que haja algo ainda pior: tem “colega” que ainda não resistiria ao balanço da arara e a pegaria sem pestanejar.

  2. Algumas pessoas sofrem da chamada “síndrome do pequeno poder”. O sujeito pode ser um m… na vida, mas basta uma “oncinha” no bolso para sair por aí dando ordens e distribuindo desaforos. Comigo não. Trato com educação quem é educado comigo.

  3. Comigo ja aconteceu tudo isso e mais um pouco ; no comeco Eu ficava triste ; e com baixa estima . resultado ; hoje em dia foi mal educado comigo recebeu a altura . Perdi alguns pacientes e fiquei mal falado ( tipo bipolar ) ; mas valeu a pena cada mal educado que dispensei . Dinheiro faz falta ; mas a minha dignidade nao tem preco para mim.
    PS ; Eu trato todas as pessoas com educacao ( fora do consultorio ) ; desde as mais humildes ate os malas ( pessoas que nao gosto ) .

  4. Depois de 20 anos me dou ao luxo de não rnenhuma dessas situações, e devo dizer, que tenho a sorte de ter enfrentado poucas delas neste tempo.
    Não atendo fora do meu horário.
    Paciente desmarcou ou faltou 2 vezes fica na espera por horário.
    Se quiser arrancar dente tratável, vai em outro lugar.
    Semana que vem te pago, diminuiu bastante, mas ainda tem.
    Não atendo convênio.
    Sei que a minha realidade não é a de todos, mas se posso dar uma sugestão/conselho: Tente ter o minimo de ” exceções” , pq depois o paciente acha que é regra.
    Bjo

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No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista