O Dentista do Postinho

No último fim de semana prestei concurso para a Prefeitura de São José dos Pinhais, cidade da região metropolitana de Curitiba. Pertinho daqui mesmo, morei lá toda a minha infância e adolescência. Apesar da prova ser num domingo de manhã, até que foi divertido… caí na sala com as fiscais de prova mais trapalhonas EVER, duas senhoras com seus 50 e poucos anos.

Potenciais "dentistas do postinho"
Logo na entrada, procurei meu nome na listagem afixada na porta. Check! Uma das fiscais, que estava ao meu lado o tempo todo em que eu conferia minha presença na lista de candidatos, olhou pra mim e disse: “Confira se o seu nome está na lista”. Fiquei imaginando o que ela achou que eu estava fazendo até então… sei lá, procurando algum conhecido, talvez…

Entrei. A outra senhora pediu minha identidade. Passou o dedo por cima do meu nome várias vezes e não me achava na lista. Apontei pra ela onde eu estava. “É mesmo! Sua fila é esta aqui”, indicou. Lá fui eu procurar o cartão de respostas que me pertencia. Fui e voltei umas 2 vezes e nada. Ela percebendo que eu não “me achava”, perguntou: “Qual é a sua posição?” Respondi: “Não sei, a senhora não me disse”. E dá-lhe procurar meu nome na lista novamente para descobrir a minha posição. Era 21. Era só seguir a ordem e pronto. Pronto? Nada! O critério de ordem de distribuição dos cartões deve ter sido o randômico. Só pode. Mas finalmente, com a ajuda de outra candidata, achei meu lugar: duas filas além do que havia sido indicado…. Acomodei-me. Vi o mesmo acontecer com os colegas que chegavam.

Mesmo sendo Curitiba, sala de aula no verão é sempre quente. A sala tinha 2 ventiladores, dos quais 1 já estava ligado. O botão para acioná-los ficava mais ou menos a 3 metros do chão. A fiscal, a mais baixinha delas, se esticou e, ÓBVIO, não chegou nem perto. Um gentil rapaz com mais de 2 metros de altura se ofereceu para a tarefa. Mas a senhora achou que o vento estava fraco. “Aumenta pra mim um pouquinho?”, pediu. Na hora, ok. Mas quando 10 segundos depois o ventilador apontou para a classe… “…e o vento levou”. Cartões e mais cartões de respostas voando. Como eu estava de pé porque tinha me oferecido para assinar a declaração de que eu testemunhava que o pacote com as provas estava lacrado e blá-blá-blá, o meu foi junto. Aí uma das senhoras olhou pra mim e disse: “Querida, você diminui o ventilador pra mim?”. Olhei pra ela, olhei pro ventilador. Dei um pulinho, todo mundo riu. Eu posso ter essa pele de anjo, mas isso não justifica ela achar que eu sei voar :). O rapaz grandão veio e nos salvou.

“Como vocês podem verificar, o pacote com as provas está lacrado”. Verificamos. Quando ela foi abrir o pacote… caiu TUDO no chão. Ela soltou um “Que bom, hein?!”. E a gente segurando a risada, porque ela ficou visivelmente constrangida. A outra senhora catou os cadernos e, com uns 15 minutos de atraso, nossa turma começou a prova. Ufa! 😀

Nunca vi tanto dentista junto. E tudo isso pra ser o dentista do postinho.  Na verdade, o dentista da Unidade de Saúde (como dizia uma professora minha na época da faculdade, “posto” é onde se enche o tanque do carro de combustível). O serviço publico costuma ser interessante para profissionais liberais como nós porque oferece aqueles benefícios que, via de regra, não nos pertencem:  salário fixo, plano de saúde, férias, 13o salário… por isso tanto colega interessado. E como o salário oferecido era bem razoável para uma jornada de meio período…

É importante lembrar, e o objetivo deste post é este: o dentista do postinho (aquele que você diz que fez um buracão onde tinha só um buraquinhonão é pior do que o dentista que atua em clínicas particulares. O brasileiro tem o costume de desdenhar do que é “de graça”. Se é gratuito é pra pobre, se é pra pobre não é bom. Mas, pra chegar a atender em uma Unidade de Saúde, o profissional teve que prestar concurso e passar por um funil que deixou muitos colegas pra trás… pense nisso.

O SUS é o melhor sistema de saúde do mundo… no papel, infelizmente. Nem sempre funciona a contento, mas quando funciona é excelente. Acredite, os profissionais que estão lá (dentistas, médicos, enfermeiras, etc.) são sim capacitados para lhe dar o melhor atendimento, mas nem sempre as condições de que dispõem são as mais adequadas ou as necessárias, quadro muito comum em áreas afastadas dos grandes centros urbanos. Brasil.

Se eu vou ser a dentista do postinho? Pela minha performance, duvido :D. Só por garantia, se quiser marcar consulta, ligue pro meu consultório mesmo. É mais provável que eu ainda esteja lá… 😛

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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22 comentários

  1. Olá dra. Eu já andei fazendo algumas perguntas pra você esses dias, agradeço a sua atenção. Vendo esse post eu tenho que comentar. Vou fazer um procedimento pelo SUS. Vou extrair um dente mas a dentista mandou bater a radiografia do dente que vai ser extraido e aproveitou pra ver a situacao dos meus sisos que já nasceram também pra ver se já extrai logo. Ja fiz duas restauracoes com ela e ela e ótima, falando sobre a competência dos profissionais que atuam no SUS. Mas a minha pergunta é: com quanto tempo do dente extraído que a pessoa passa a não ter mais a limitação da cirurgia? Por exemplo, falar sem ter mau hálito ou até beijar na boca. rsrs a pergunta beijar na boca é só pra saber mesmo porque não tenho namorada nem nada rsrs. Porque sei que o buraco pode demorar meses pra fechar… obrigado!

    1. Micael, o tempo de recuperação varia de pessoa pra pessoa. Geralmente há uma boa cicatrização inicial em 1 semana e “vida normal” depois de 1 mês.

  2. Boa tarde, o post é de 2011, mas eu só li ele hoje. Vou falar representando os pacientes do SUS, não que a minha opinião seja a mesma de todos, apenas vou dar a minha opinião na visão do paciente.
    Fui ter meu primeiro plano de saúde com 18 anos, antes disso sempre consultei no SUS e acho que o que a população acha que é “má qualidade de atendimento” não é bem o atendimento prestado e sim a forma como são tratados. É visível que os médicos tem má vontade em atender pelo SUS, pelo menos os médicos que me atenderam ao longo desses 18 anos (hoje tenho 30). Ok, ok tenho plano de saúde da Unimed e já fui mal atendida também, por médicos mal humorados e sem educação. Mas infelizmente aqueles que trabalham no SUS, mesmo hoje em dia não tem muita vontade e boa educação para tratar o povão. É tudo muito rápido, com muita pressa, com cara amarrada e na maioria das vezes respondem nossas dúvidas com monossilabos. Sei disso porque minha mãe e meu avô de 83 anos ainda consultam pelo SUS. Repito, não estou acusando todos os médicos do SUS, mas aqui na minha cidade, em Canoas no RS a grande maioria não gosta do povão e isso é evidente, gritante no rosto deles. Se não querem atender pobre, não prestem concurso pro “postinho”. Abraços, conheço o blog ha dois dias mas já sou fã.

  3. Profissional é profissional, seja onde for, particular ou público. Quem diferencia esse tipo de atendimento é pq o faz na prática, logo mau profissional 😛

  4. Cara, blog de dentista é muito mais divertido! Sério. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk!

    Morro de rir com os “causos” que leio nesse meio.

    Mas cá entre nós, não deve ser tão divertido (ou triste/sofrido, depende da visão de cada um :P) ser dentista num país como… Alemanha (talvez?), onde as pessoas fazem o certo e não culpam terceiros por seus erros. Lá, deve ser monótono. 😛 (kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!)

    (É rir da desgraça, né? Cruzes.)

  5. >Gostei tbém do seu post e concordo com nosso colega Eduardo Zardo.
    Não trabalho em "Postinho" mas já trabalhei durante muitos anos em Hospital de Emergência e estou terminando Pós em ESF.
    Gostaria de fazer uma ressalva… elas devem ter bem mais de 50 anos, rs.
    Parabéns!

  6. >Estou na luta pra ser dentista de postinho
    vou prestar concurso no dia 20/02/2011(fafipa)
    Gostaria de saber se algum colega
    poderia me enviar o caderno de provas de SJP.POR FAVOR!!
    VALEU !!! ABRAÇOS GEISEL

  7. >Sou 'dentista de postinho' também e amei suas desventuras. Atendo meus pacientes com a mesma atenção e carinho que meus clientes na clínica (à noite). Como a minha área de abrangência é pequena (cerca de 300 famílias) somos (a equipe e eu) todos muito queridos por lá. Abraços!

  8. >O q eu mais gostei foi das asas que vc não possue. Q pena!!! Ia ser tudo de bom uma dentista alada no "postinho" de SJP. Abraços e parabéns pelo post.

  9. >Adorei amiga diva!!
    Eu sou uma dentista do postinho. Faço a mesma coisa no consultório e lá. ADORO!!
    Incrível como pequenas ações com as pessoas mais carentes geram grandes resultados.
    Abração 😀

  10. >O duro é que, pra ser dentista do postinho, além da prova, tem que dar pulinhos pra alcançar o botão do ventilador… 😛

    Na torcida!

  11. >Hahaha! Adoraria fiscais como essas! Pelo menos mataria aquele tédio reinante que sentimos quando estamos esperando o início da prova! 😀
    Na torcida pra que você seja a mais nova Dentista dos postinhos de São José dos Pinhais!

  12. >Eu sou dentista de 'postinho'. Realmente não gosto desse termo. Chamar de 'Unidade de Saúde' não é sem motivo, tem a valorização do sistema, além de ser o nome correto.
    O SUS é sim um bom sistema em teoria, e tem melhorado muito nos últimos anos. Programas de saúde como o Brasil Sorridente (http://bit.ly/dY3hhh) têm mudado a realidade da população brasileira, os dados do Ministério da Saúde comprovam esse fato.
    A concepção [errônea] de que gratuidade é similar a falta de qualidade vem de décadas atrás, quando o SUS ainda nem existia e a população utilizava o INAMPS. Vale a pena ressaltar que a gratuidade também é errônea, pois todos pagam impostos não é? Pelo menos eu pago os meus.
    O Sistema Único de Saúde existe desde a nova constituíção, e isso é relativamente novo (pense nisso).
    Vejo com tristeza alguns profissionais da saúde desvalorizarem, sem conhecimento, o SUS. Todos nós sofremos da falta de conhecimento em saúde pública durante a faculdade. Eu respondo por mim, que só compreendi a dimensão das políticas de saúde pública e sua importância quando comecei a trabalhar em um 'postinho'.
    Ótimo post Ana, desejo boa sorte a você!

  13. >Adorei sua odisséia no concurso.rsrsrs. Já vá se preparando para o que vem depois, quando vc estiver no serviço público. Cada dia um história! 🙂
    Mas é como vc falou, há muito profissionais capacitados que dão tudo de si para praticar o que há de melhor em saúde. Dentro do que é oferecido e possivel a cada um. Os ruins, existem também, mas não se destacam nunca.
    Desejo boa sorte, minha querida amiga!
    Estar no serviço público, além das vantagens trabalhistas, traz questionamentos e experiências de clinica e de vida que nunca terá no consultório particular. Bjs 🙂

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No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista