É que eu trabalho…

Eu nem ia postar hoje, preguiça mesmo. Mas aí recebi mais uma daquelas ligações no consultório: “Eu gostaria de marcar uma consulta… mas tem que ser depois das 18:30h, porque eu trabalho”.

A maioria dos dentistas é profissional liberal, portanto constrói sua agenda do jeito que bem entende. Esse é um dos benefícios de se atuar numa profissão como a nossa, não existe muito essa coisa de horário. A desvantagem, por parível que incresça, é exatamente a mesma: horário comercial é um conceito meio bagunçado pra gente.

É compreensível que o paciente, quando liga pra marcar um horário, pense naquele que mais lhe convenha. Afinal de contas, tempo é dinheiro, ociosidade é prejuízo. Mas ando meio de saco cheio com isso, sabe?! Todo santo dia alguém me vem com aquela frase… e a parte que mais me irrita é: “… porque eu trabalho”.

Eu também trabalho!

Caro paciente, todo mundo trabalha. Desde que Adão e Eva pecaram, lá no Jardim do Éden, Deus instituiu que pra sobreviver só suando a camisa. Sério mesmo… em Gênesis 3:19 está escrito: “Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó, e ao pó voltará”. Isso foi logo depois do primeiro pecado consumado, ou seja, faz um tempinho já :). Por isso mesmo, considerando que “trabalho” é uma atividade universal, fica difícil atender todo mundo fora do horário que todo mundo trabalha!

Se definimos “horário comercial” como aquele em que se trabalha, então qualquer horário fora desse intervalo de tempo é folga total e irrestrita, certo?! Errado. Dentistas têm família, como todo mundo. Depois de uma tarde arrancando dentes, eu, por exemplo, tenho que sair do consultório em tempo hábil para ir buscar meu filho na escola (e eu só tenho 1 por enquanto, hein?!). Chegando em casa, as tarefas do dia só findam depois do jantar, do banho, da mamadeira e, finalmente, do sono do moleque. Mas para certos pacientes esse horário é bom, porque eles já saíram do trabalho. E aí?

A pessoa que me ligou há pouco e que motivou este post certamente não considerou isso (e eu nem esperaria que considerasse, EMA EMA EMA). Aliás, levando em conta que o dentista é um só e os pacientes são muitos, quem é que deve se adaptar a quem? Certamente é muito mais fácil o paciente encontrar um tempinho pra cuidar da própria saúde durante o horário comercial do que o dentista promover malabarismos de agenda para enfiar todos os pacientes do dia em um horário em que ninguém trabalhe. Só ele :). Declarações e atestados servem justamente pra isso.

Enfim, foi só um desabafo. Sei que atendo menos pacientes do que poderia por não ter horário flexível, mas estou numa fase da vida em que isso não é o mais importante. Não vejo problema no paciente perguntar se é possível atendê-lo num horário alternativo, mas não acho que tenhamos que nos desdobrar para fazê-lo. Se tem uma coisa que aprendi com a pouca (mas consistente) experiência que adquiri nessa vida de dentista, é que não vale a pena se esforçar muito pra satisfazer as vontades dos pacientes com relação a horários. Porque eles vivem “esquecendo” da consulta (mesmo que você ligue no mesmo dia pra confirmar) e às vezes não vêm porque não estão a fim mesmo. Mesmo “morrendo de dor“…

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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6 comentários

  1. Ana querida, assino embaixo.
    Depois de 17 anos trabalhando aos sabados, resolvi parar antes de entrar numa depressão por stress (segundo a minha Neurologista/Psiquiatra :)), e ouvi essa colocação por dezenas de vezes. Fiquei firme, e acreditem, depois de 3 anos, sei apenas de um ou dois que eu realmente não pude mais atender. Quem precisava, se adequou ao novo horário. Marco o ULTIMO às 19h.
    Pior do que isso, só quando não tenho mais horário para o dia, o cliente pergunta: E depois do último???
    Hellooo! O último é o último.
    Fique firme, concessões só levam o cliente a pensar que o trabalho dele é mais importante que o seu.
    bjo

  2. Incrível esse post!!
    Há pouco tempo estava conversando sobre isso com minha Neurologista e ela disse uma coisa muito real: “Se o paciente não pode ser atendido por mim das 8h as 12h ou das 13h as 19h, é porque realmente esse paciente não quer que eu seja a médica dele.”
    Fica aqui minha indignação também. E olha que eu nem tenho filhos 😉

    1. Exato, Favi! 🙂 Existem determinados profissionais para determinados pacientes. Se não dá certo, paciência. O que não dá é pra mudar toda a rotina do profissional pra resolver o problema específico de cada paciente.

      Obrigada pela presença (constante) e pela opinião.

      Você tem uma neurologista? 😀

  3. Ana, certeira como de costume.
    Eu passo por isso com um pouco mais de pressão, pois em uma das cidades que trabalho existem indústrias que criam as escalas de trabalho mais loucas, pois nao podem parar e os pacientes, em sua maioria, tem ali sua primeira chance da vida de fazer tratamento odontológico. No meu caso, em ortodontia ainda por cima.
    Nessa cidade, eu pretendia trabalhar até umas 18h, dormir por lá, passar por um rest. na beira da praia, mergulho e tal. Sonho meu.
    Tenho que atender a galera até umas 19:50 pra voltar voando pra Vitória… rsss

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No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista