Acidentes com material biológico (perfurocortante) em Odontologia

A exposição do cirurgião-dentista a material biológico (sangue ou outros líquidos orgânicos) pode resultar em infecção por HIV, pelos vírus das hepatites B e C e outros vírus / bactérias. Esse tipo de exposição pode ocorrer através de ferimentos com agulhas, material ou instrumentos cortantes, assim como pelo contato direto de sangue ou fluidos com mucosas e pele não-íntegra. O fato é: dá prevenir, porque a melhor profilaxia para a exposição ocupacional com material biológico é o respeito às normas de biossegurança.

Quanto aos fatores de risco para a ocorrência de infecção, tudo depende de:

  • Patogenicidade do agente infeccioso
  • O volume e o material biológico envolvido
  • A carga viral/bacteriana da fonte de infecção
  • A forma de exposição
  • A susceptibilidade do profissional de saúde

No caso da Hepatite B e C, o sangue é o veículo de transmissão mais importante, mas o vírus também pode ser transmitido, com menor chance, via sêmen, secreção vaginal, leite materno, líquido cefalorraquidiano, líquido sinovial, lavados nasofaríngeos e saliva. Já no caso do HIV, sangue e fluidos são veículos de transmissão importantes.

Considerando tudo isso, é essencial ter cuidado com o manuseio de material perfurocortante no exercício da Odontologia. A saber:

  • Ter máxima atenção durante a realização de procedimentos invasivos
  • Jamais utilizar os dedos como anteparo durante a realização de procedimentos que envolvam material perfurocortante
  • Nunca reencapar, entortar, quebrar ou desconectar a agulha da seringa
  • Descartar agulhas, scalps, lâminas de bisturi e vidrarias, mesmo que estéreis, em recipientes rígidos
  • Utilizar os EPIs próprios para o procedimento a ser realizado
  • Usar sapatos fechados de couro ou material sintético

Não reencape agulhas

Ok. Você fez tudo direitinho mas, mesmo assim, acabou se cortando ou furando. Nesse caso, são procedimentos recomendados pós-exposição a material biológico:

  • Após exposição em pele íntegra, lavar o local com água e sabão ou solução antisséptica com detergente (PVPI, clorexidina) abundantemente. O contato com pele íntegra minimiza a situação de risco
  • Nas exposições de mucosas, deve-se lavar exaustivamente com água ou solução salina fisiológica
  • Se o acidente for percutâneo, lavar imediatamente o local com água e sabão ou solução antisséptica com detergente (PVPI, clorexidina). Não fazer espremedura do local ferido, pois favorece um aumento da área exposta
  • Não devem ser realizados procedimentos que aumentem a área exposta, tais como cortes e injeções locais. A utilização de soluções irritantes (éter, hipoclorito de sódio) também está contra-indicada.

Em seguida, é preciso avaliar o tipo de acidente, com base na anamnese do paciente, sua caracterização, análise do risco, notificação do acidente e orientação de manejo e medidas de cuidado com o local exposto. A exposição ocupacional a material biológico deve ser avaliada quanto ao potencial de transmissão de HIV, HBV e HCV com base nos seguintes critérios:

  • Tipo de exposição
  • Tipo e quantidade de fluido e tecido
  • Situação sorológica da fonte (paciente)
  • Situação sorológica do acidentado (você)
  • Susceptibilidade do profissional exposto

O paciente deverá ser avaliado quanto à infecção pelo HIV, Hepatite B e C, no momento da ocorrência do acidente. Será necessário realização de exames diagnósticos. Caso haja recusa ou impossibilidade de realizar os testes, deve-se considerar o diagnóstico médico, sintomas e história de situação de risco para aquisição de HIV, HBC e HCV. Quando a fonte é desconhecida, é necessário levar em conta a probabilidade clínica e epidemiológica de infecção pelo HIV, HCV, HBV (prevalência de infecção naquela população, local onde o material perfurante foi encontrado (emergência, bloco cirúrgico, diálise), procedimento ao qual ele esteve associado, presença ou não de sangue, etc..

Quando não houver informações sobre a fonte, o setor médico do hospital procurado orientará sobre a realização de quimioprofilaxia. A exposição ocupacional ao vírus HIV deve ser tratada como emergência médica, uma vez que a quimioprofilaxia deve ser iniciada o mais precocemente possível, quando indicada, idealmente até duas horas após o acidente e, no máximo, até 72 horas.

Situação sorológica do acidentado (dentista):

  • Verificar realização de vacinação para hepatite B
  • Comprovar a imunidade através do Anti-HBs
  • Realizar sorologia do acidentado para HIV, HBV e HCV

Manejo frente ao acidente com material biológico:

  • Paciente-fonte HIV positivo: um paciente-fonte é considerado infectado pelo HIV quando há documentação de exames Anti-HIV positivo. Conduta: análise do acidente e indicação de quimioprofilaxia anti-retroviral
    (ARV).
  • Paciente-fonte HIV negativo: envolve a existência de documentação laboratorial disponível e recente (até 60 dias para o HIV) ou no momento do acidente, através do teste convencional ou do teste rápido. Não está indicada a quimioprofilaxia antiretroviral.
  • Paciente-fonte com situação sorológica desconhecida: um paciente-fonte com situação sorológica desconhecida deve, sempre que possível, ser testado para o vírus HIV, depois de obtido o seu consentimento, deve-se colher também sorologia para HBV e HCV.
  • Paciente-fonte desconhecido: na impossibilidade de se colher a sorologia do paciente-fonte ou de não se conhecer o mesmo (por exemplo, acidente com agulha encontrada no lixo), recomenda-se a avaliação do risco de infecção pelo HIV, levando-se em conta o tipo de exposição, dados clínicos e epidemiológicos.

Indicação de Profilaxia Pós-Exposição (PPE)

Quando indicada, a PPE deverá ser iniciada o mais rápido possível, preferencialmente, nas primeiras duas horas após o acidente. A duração da quimioprofilaxia é de 28 dias. Atualmente, existem diferentes medicamentos anti-retrovirais potencialmente úteis, embora nem todos indicados para PPE, com atuações em diferentes fases do ciclo de replicação viral do HIV.

Para mulheres em idade fértil deve-se oferecer o teste de gravidez para aquelas que não sabem informar sobre a possibilidade de gestação em curso. Na dúvida sobre o tipo de acidente, é melhor começar a profilaxia e posteriormente reavaliar a manutenção ou mudança do tratamento.

É impossível afirmar que o profissional ou aluno se infectou em serviço se o acidente ocupacional não for devidamente notificado, portanto, medidas que viabilizem esse procedimento devem ser implementadas em todos os serviços de saúde.

Via Manual de Biossegurança CESMAC

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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4 comentários

  1. Muito bom saber disso Ana! Agradeço mesmo a resposta rapida! Da até um alívio, se permanecer irei ao dentista enfrentar meu medo ahhahahahah
    Continue com o seu trabalho tanto no blog, como o de dentista que você é ótima nos dois!
    Abraços e muito obrigado de novo!

  2. Ana! Primeiramente eu tenho um grande medo de dentista, como so esse post aceita comentários vou tentar minha sorte com você ahhahahaha minha língua tem uma leve camada branca (maior incidência do fundo) mas consigo retirar com a escova, depois de um tempo ela volta (apesar de estar diminuindo aparentemente), não sinto dor, não sangra, não parece ser candidiase né? Abraços doutora, continue com o blog para os medroso que nem eu.

    1. Oi Gabriel! Dá pra comentar normalmente pelos comentários do Facebook… já os do blog, só ficam abertos 3 dias para posts novos. Esse post é de ontem, por isso tá aberto. 🙂 Pela sua descrição, não é candidíase não, e sim saburra lingual… uma camada de células mortas, resíduos alimentares, bactérias etc., que tem que ser removida a cada escovação, mesmo. Abraço!

A área de comentários / perguntas está fechada. Agradeço a compreensão.

No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista