Oferecer a Outra Face

Ontem, pela primeira vez, depois de mais de 620 perguntas respondidas por mim no Pergunte ao Dentista, uma leitora se ofendeu com a minha resposta. Não vou nem colocar o link da pergunta aqui porque é assunto resolvido. Mas o episódio me fez refletir e gostaria de compartilhar minha reflexão com vocês.

Resumindo o acontecido: ela queria saber quanto custava “uma limpeza” e se queixava porque as secretárias dos dentistas não informavam o que ela precisava saber. E também não queria pagar por uma consulta “só para obter essa informação”. Expliquei que não é bem assim, que é preciso fazer uma avaliação (assunto que já foi discutido aqui e em outros blogs. Leia, vale a pena), que “limpeza” é um termo muito vago… e sugeri a ela que na próxima vez que fosse ao dentista pedisse a ele orientação com relação à sua higiene bucal. Ela entendeu, pelo que parece, que eu a chamei de “pobre”, por não querer pagar pela consulta, e de “porca”, por não escovar os dentes direito. E desceu o verbo em mim.

Respeito é saber se colocar no lugar do outro

Quando esse tipo de coisa acontece, acho importante parar pra pensar: será que eu fui grosseira mesmo? Minha conclusão: não fui. Respondi, então, a ela, educadamente, explicando o que eu realmente tinha dito e pedindo desculpas se a forma como eu havia me expressado a levou a entender outra coisa. Pedi, ainda, que ela não se colocasse em posição defensiva nem me imaginasse aos berros… assim ela perceberia que tudo não passara de um mal entendido.

Em menos de 15 minutos ela entrou em contato novamente, pediu desculpas pelo desabafo e disse que considerou meus argumentos. Contou que já havia feito a tal “limpeza” (que na verdade era para a filha, não pra ela) e que o que ela queria mesmo era ter uma ideia de valor, se tinha pago caro. Assunto resolvido.

Discutir de forma escrita é perigoso, porque falta o principal: o tom. A gente nunca sabe se quem está do outro lado do teclado está gritando ou estampa um sorriso nos lábios. Eu podia ter agido como ela, em princípio, e partido para a agressão pessoal. Mas eu fiz o contrário do que ela esperava: mesmo estando certa, pedi desculpa e procurei me fazer entender. Derreti a bazuca dela com a minha visão de calor. 😀

Mais uma historinha (curta, prometo) que traz esse mesmo tipo de atitude para dentro do consultório.

Moldei um paciente para a confecção de uma PPR inferior. Uma moldagem complicada, ele tinha uma língua enorme (embora falasse muito pouco) :). Mandei para o laboratório de prótese e o protético ficou desconfiado… pediu se não dava para melhorar. Liguei para o paciente e pedi que ele retornasse (o que ele já não gostou) e fiz nova moldagem, usando mil técnicas para garantir uma impressão fiel. Uma hora antes da consulta em que o paciente iria provar a estrutura metálica da dita-cuja, o técnico do laboratório me liga contando que eles haviam quebrado o modelo em gesso. Ou seja: nova moldagem.

Quando o paciente chegou, pedi que ele entrasse e se sentasse. Expliquei o ocorrido. O homem, que havia pago a prótese à vista, ficou possesso. Esperei pelo seu discurso, que terminava, é claro, com “eu quero meu dinheiro de volta”. Olhei pra ele e disse: “O senhor tem toda razão. Se fosse comigo, eu faria o mesmo. Vamos até a recepção para que o seu dinheiro seja devolvido”. Aí eu calei Fidel Castro :D. Eu podia ter argumentado que “a culpa foi do protético” (e foi), mas isso não vem ao caso, é entre mim e o protético. E, no fim das contas, só deixaria o cidadão mais irritado. Quando eu recuei e concordei com ele, ele teve que largar as pedras no chão. Mudou de ideia, fizemos a nova moldagem e, algumas sessões depois, entreguei a PPR “encantada” para seu satisfeito proprietário.

O que eu quero dizer com tudo isso? Que as pessoas que chamam você pra briga nunca esperam ser retribuídas com respeito e educação. Quando isso acontece, elas não sabem o que fazer e se desarmam. Sabe o cachorro que corre atrás da roda do carro? Pare o carro… o bichinho não sabe o que fazer e sai envergonhado. É isso: seja humilde, procure ser cordial, ponha-se no lugar do próximo… isso dentro e fora do consultório. Não é uma questão de quem está certo… mas de evitar o confronto. Não é fácil e nem sempre a gente consegue… mas quando funciona, você conquista o respeito do seu “oponente” pelo resto da vida. E respeito é bom e eu gosto! 🙂

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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22 comentários

  1. Parabéns pelo POST, Ana. Você agiu com muita perfeição, pois nem todas as pessoas conseguem manter a calma, sabendo que a culpa não é delas. Isso que falou é pura verdade. O paciente nem deve saber o que houve entre o dentista e protético. Não diz respeito a ele. O negócio ocorre entre dentista e paciente. Parabéns.

  2. Dra. Ana,

    Seu blog é o meu preferido entre todos os outros blogs sobre odontologia que frequento. Este seu texto ficou muito bom (mais um) e serve para todos os profissionais prestadores de serviço. Respeito e educação em primeiro lugar, mesmo quando não te tratam com respeito e educação. É preciso lembrar que na maioria das vezes, nossos pacientes estão em uma situação vulnerávele que pode aflorar o “lado negro da força” deles.

    Mais uma vez, sensacional!

  3. Ler esse post é só para ter certeza da pessoa digna e sensata chamada Ana Paula Pasqualin Tokunaga, que eu tenho orgulho de dizer que é minha amiga! (Ex fiel escudeira) =P
    M.A.R.A.V.I.L.H.O.S.O post Tokus!
    Como é bom saber que tenho perto de mim pessoas do bem, como vc!!
    um bjoooooo

  4. Muito bom!

    O paciente com medo, desinformado ou ansioso é a parte hipossuficiente e mais frágil da relação construída no tratamento. Devo entender isso, e perceber também de que se trata de um mecanismo de defesa.

    Lindo o texto Dra Ana, me lembra um texto de um livro antigo que diz: “A palavra dura suscita a ira, a branda desvia o furor”

    Abs!

    1. Ahhauuaha! Obrigada, Graça… não vou fazer DE NOVO aquela piadinha de que você é uma graça… mas é. 🙂

      Beijo! A admiração é mútua.

  5. E não é que nosso “chat” no twitter realmente rendeu um EXCELENTÍSSIMO post?

    Tento ser bastante cordial com as pessoas, pacientes ou não. Uma de minhas pacientes presenciando uma cena (pra não dizer barraco) de outro em minha recepção olhou pasmada pra mim admirando o fato d’eu não ter descido o verbo e mandado o fulano para onde o vento faz a curva. Não é assim, não posso tratar mal quem garante o pagamento das minhas contas no final do mês.

    Há momentos claro que a TPM está aflorada e acabo respondendo ao paciente, como por exemplo dias atrás qdo passei por problemas médicos, tive a agenda enlouquecida e uma mãe queria horário para a filha. Expliquei a situação, disse que até minha mãe estava com dor e que não tinha como encaixá-las (só ontem resolvi o caso da minha mãe). A paciente mandou bala “eu sou particular e sua mãe não vai pagar nada!”. Certo, ela pediu minha resposta “sim, hoje atendo minha mãe sem cobrar já que ela pagou antecipado durante meus quatro anos de faculdade”. Tb não sou santa.

    Parabéns pelo post! Mais um… 🙂

    1. Gi, se essa mulher tivesse falado isso pra mim, todo o meu estoque de educação e respeito não seria suficiente para evitar mandá-la às fezes. Você foi uma lady. 🙂

      As pessoas acham que por estarem pagando, compraram a sua alma. Quando não acham que compraram o seu corpo… 😛

      Obrigada pelo super comentário… beijo! 🙂

  6. Sensacional o post. Se todo mundo fizesse o mesmo o mundo seria um lugar muito melhor para se viver. Parabéns!

  7. Ana, posso deixar um relatinho meu aqui?
    Pois bem, olha que interessante:
    Eu faço especialização de periodontia e como todos os dentistas sabem, a famosa “raspagem” está inclusa na tal “limpeza”. Gostaria de esclarecer uma coisinha para os dentistas e pacientes que vem aqui no seu, no nosso, querido Medo de Dentista, posso?
    Ontem tive uma aula de como APRESENTAR um plano de tratamento ao paciente, achei bastante interessante, vendo que o especialista em periodontia (principalmente o recém saído da especialização) faz, dentro da sua especialidade, 90% de raspagem.
    Como todos sabem (e poucos fazem) a raspagem está em praticamente TODAS as limpezas e, de forma alguma, pode ser ignorada. O profissional faz 2 anos de pós pra aprender a fazer uma raspagem digna de ser chamada como e com isso tem infinitas tecnicas e conhecimento envolvidos. O que me deixa PASMA é o paciente pensar que realizar uma “limpeza” envolve apenas “rancar a sujeira do dente.” E a raspagem devolve a saúde periodontal, é cobrada por arcada e requer conhecimentos que você só aprende na faculdade e pós graduação. E sim, pagamos MUITO caro por isso.
    Desculpe o desabafo, Ana.

    Beijos

    1. Imagine, fique à vontade… o espaço é seu! 🙂

      Concordo plenamente com você, não poderia ser diferente. O termo “limpeza” é leigo, popular… e incompleto, sem dúvida. E remete, inevitavelmente, a “tirar a sujeira”… e o povo acaba achando que somos faxineiros com nível superior. 🙁

      O propósito deste blog é informar para acabar com o medo… mas, informando, a gente acaba com a ignorância também. Felizmente, acho que tenho colaborado nesse sentido: valorizar a profissão de cirurgião-dentista e a atividade que desempenhamos: saúde.

      Beijo, Boss! 🙂

  8. Viu como vc é coerente???
    Tenho muito a aprender. Admito que não sei se teria tanta elegância.
    bjos

    1. É Celia… não é fácil. Depende muito do temperamento da pessoa… é que eu sou assim. Mas sem dúvida, a educação desarma as pessoas. Viu que coerente isso que eu disse? 😀 Beijo!

  9. Simplesmente fantástico o post!
    Eu acredito que quando vc possui um consultório particular, vc deve fazer isso em todas as situações, pq a partir do momento que vc pegar um fama ruim, com as coisas acirradas como andam… PODE FECHAR!!! Essa semana msm recebi uma paciente que me disse não ter vindo à minha clínica ainda, pq ouviu dizer q sou estúpido. o.O. Depois da consulta e tudo ela virou pra mim e disse: Acho q a pessoa errou de dentista!
    Como foi dito aqui. As vezes tudo nao passa de um mal entendido e o paciente sempre leva pro lado pessoal o menor motivo possivel! As vezes foi até a secretária quem falou com a dita-cuja, mas eu é q sou estúpido. Quem sabe ela se recusou a pagar a consulta, e eu q sou estúpido. Vai entender!
    PARABÉNS pelo post!

    1. Obrigada, Rivaldo! É bem isso… nossa reputação “vale mais” (entre muitas aspas) do que a gente é de verdade, e desfazer uma primeira impressão ruim é muito difícil. Por isso é tão importante ficarmos espertos com relação à forma como nossa equipe se relaciona com nossos pacientes… nosso staff é uma extensão de nós mesmos, na visão do paciente.

      Obrigada pela visita e pelo comentário!

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No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista