Respeito é bom e eu gosto!

Nossos consultórios são nossas empresas. É lá que nós, dentistas, fazemos o que gostamos (e algumas coisas que não gostamos) e ganhamos nosso dinheiro. Mal nenhum há nisso, pelo contrário, trabalhar e tirar daí nosso sustento é bom, digno e honesto. Temos sim um relacionamento comercial com nossos pacientes que, é claro, não se restringe a isso… nem é o mais importante.

Considerando essa relação comercial (e que dinheiro não dá um árvore), é compreensível que o paciente queira negociar o valor do tratamento ou a forma de pagamento. Só que tem gente que parece que está comprando banana na feira. Semana passada  uma moça ligou querendo agendar a remoção de um siso. Geralmente quem faz os terceiros molares no meu consultório é um colega meu. Disse a ela que iria verificar a disponibilidade do meu colega para o dia que ela me pediu.

Olha a oferta, freguesia!

Até aí tudo bem. Eis que ela continuou: “… sabe o que é, doutora… minha mãe vem na semana que vem pra cá, e faz mais de um ano que eu não a vejo. Será que dava pra arrumar um atestado pra eu passar a semana com ela?”. Respondi, é claro, que não. Atestado não é brincadeira, não é um vale-feriado. Ela não gostou, mas não disse mais nada. Fiquei de ligar para confirmar. Depois que falei com o meu amigo e ele disse que podia atendê-la, entrei em contato novamente.

Dessa vez, quem atendeu foi o marido dela, que é meu paciente. Pedi que a avisasse que a cirurgia estava marcada. Ele, me interrompendo, começou o discurso: “… pois é, doutora! A [nome da paciente] falou que a mãe dela está vindo nos visitar, né?! Eu disse pra ela: pode abrir o jogo com a doutora! Diz pra ela que o atestado é pra ficar com a sua mãe, ela vai entender”. Eu disse que entendia sim. Mas que não seria possível, porque se tratava de uma cirurgia simples… não havia justificativa aceitável para um atestado tão longo assim.

Perguntei: “Afinal… posso deixar agendada a cirurgia?”. E aí veio a pérola, aquilo que eu nunca achei que ia escutar: “Bom… se a doutora der o atestado pra uns 5 dias, ela vai querer fazer a cirurgia sim”.

(…)

Entenderam? Se eu fornecesse um atestado absurdo, onde constariam meu nome, meu CRO e, nas entrelinhas, minha [falta de] ética, eu e meu colega teríamos o “prazer” de atender a esposa do cara. Senão, nada feito.

O Código de Ética Odontológica, em seu capítulo V, seção I, art. 7o, diz:

“Constitui infração ética: XI – fornecer atestado que não
corresponda à veracidade dos fatos ou dos quais não tenha participado”.

Quando se contrata um serviço em Odontologia, pode-se negociar uma série de condições… mas tem uma coisa que, pelo menos pra mim, é inegociável: minha retidão. Se tem gente por aí que “prolonga” atestados (e até os vende!), sinto muito. Mesmo. Felizmente não é o meu caso.

O que mais me revoltou nessa história toda não foi nem o paciente ter perguntado se era possível fornecer o atestado, porque isso só traz à tona o [mau] caráter dele. O inaceitável é ele ter associado a possibilidade de atendimento, de “fechar um orçamento”, com uma possível atitude desonesta de minha parte. Ei, sou “farinha de outro saco”!

Pra ele, pra ela, pra qualquer outro paciente que se comportar como se estivesse na feira: reservo-me ao direito de não atendê-lo. Não estou desesperada, nem passando fome e, mesmo que estivesse, isso não mudaria minha essência. Durmo como um anjo todas as noites, e isso se chama “consciência limpa”.

A porta da rua é serventia da casa.

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Categoria: Profissão: Cirurgião-Dentista

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14 comentários

  1. É o que mais acontece no consultório que eu trabalho. Faz manutenção ou profilaxia e pede atestado do dia todo. Uma paciente teve a cara de pau de mudar meu 24 horas pra 124 horas. O patrão dela me ligou e eu contei a verdade, perdi uma paciente, mas ela perdeu o emprego. Pacientes assim só quero é distância 😀
    Parabéns Tokus, mais uma vez você só me enche de orgulho!

  2. Excelente!

    Mas tem muito paciente que não sabe (outros pedem porque são sacanas mesmo).. Cabe a nós informá-los do certo e não dar o atestado.

    Achou ruim? Um abraço e fica com Deus meu filho!

  3. E eu ainda presenciei essa cena! hahahaa
    É duro de acreditar!
    Mas ver a indignação no rosto da Ana me fez acreditar que ainda existem pessoas honestas no mundo! =) E ainda perto do mim (Graças a Deus) =P
    Maravilhoso post e mais legal ainda a charge! Adoreiiiiiiiiiii
    bjo bjo bjo amigaaaaaa

  4. Excelente Ana, eu agiria da mesma forma. Acho que devemos respeitar nossa profissão. Sair fazendo “vontades” dos clientes para garanti-los no consultório é não dar valor nenhum ao nosso trabalho.

  5. Às vezes tenho que fornecer um atestado para que a criança justifique sua falta na escola. Procuro sempre reservar o horário oposto ao período escolar: se estuda de manhã, consulta à tarde e vice-versa. Mas, de vez em quando, o horário disponível acaba coincidindo com o horário das aulas. Entretanto, sempre deixo claro o horário em que a criança esteve sob meus cuidados e, se um repouso for indicado, esclareço os motivos do mesmo. O problema é que muitos pais querem “pegar carona” na situação e acabam pedindo um atestado para justificar sua ausência no trabalho e ganhar o dia de folga. Nesse caso, explico a irregularidade da situação e forneço apenas uma declaração avisando ao empregador que o pai ou a mãe esteve impossibilitado (a) de comparecer ao trabalho em um determinado horário porque estava acompanhando o filho em uma consulta/tratamento odontológico. E só!

    Ana, mais um post excelente e que deveria ser visto por todos, colegas e pacientes! A ideia de ter uma cópia em um local visível do artigo que esclarece a infração ética é muito interessante!

    Abraço do tio!

  6. Dei uma procurada no Google e estava lendo a respeito do “mercado” dos atestados médicos. Achei um blog onde a pessoa não vendia atestados mas dizia ser muito fácil se obter um. Havia, no post, 453 comentários a maioria de leitores pedindo um atestado médico, com as “justificativas” e períodos de afastamento mais absurdos.

    O autor do post, em determinado ponto do texto, dizia que embora “seja fácil obter um atestado da forma que se deseja, ele deve ser assinado por um médico, senão é crime”. Pra vocês verem… as informações constantes no documento não precisam ser verdadeiras, desde que um médico (ou dentista) assine embaixo. E taí o mercado dos atestados…

  7. Tenho na minha sala de espera um aviso com o capítulo V, seção I, art. 7o e deixo claro que o que forneço é “Declaração de Comparecimento” ou seja, do período que vc compareceu a consulta. Semana passada chamei a atenção de uma colega que deu ” atestado” pra paciente, do dia todo, mas a consulta dela foi as 19h comigo. Eu disse que só daria do horário, mas ela disse que perdeu o dia com medo que o dente doesse muito… EU NÃO DOU!!!
    Certa vez uma paciente pediu ” atestado” pq o carro do MARIDO dela precisava de revisão e ele não podia faltar no trabalho… Ela, como professora, achava justo deixar os alunos sem aula, pq o estado abona.
    Me recusei e ela disse que se eu não poderia ajudá-la quando ela precisa então eu não interessava a ela como dentista. Eu disse que pra mim tava ótimo. Anos depois ela voltou com uma dor enorme. Voltei a interessar!!!
    Eu atesto o horário e se acho conveniente indico repouso em horas. Nunca me arrependi.
    bjo

    1. Perfeito, Celia. Se não “interessamos como dentistas” é justo que tenhamos o direito de achar certos pacientes “desinteressantes” também…

  8. É interessante como a maioria dos pacientes vê o Atestado, como um objeto sem valor.
    Eles não sabem as responsabilidades e as conseqüências presentes nesse documento.
    Sempre tem aquele paciente que fala (principalmente pra gente na clinica da facul)
    “Você vai me dar um atestado, como se eu estive aqui das 15 as 16:30? Eu estou aqui desde meio dia, vou levar mais 2 horas pra chegar ao meu trabaho. E como vou apresentar um atestado de 1:30 pro meu patrão?”
    “Ora, da mesma forma que você esta me questionando, apresente seu atestado a ele e relate seus problemas, fale da demora do atendimento, da demora da locomoção e ele entenderá. O que não posso é me responsabilizar por suas ações durante um periodo em que você não esteve sob meus cuidados.”

    Triste isso, viu?

    1. Exato! Dar um atestado (ou declaração de presença em uma consulta) é um documento em que o profissional testemunha que o paciente esteve sob seus cuidados. Se o cara resolve matar alguém, por exemplo, e tiver na mão um atestado “comprovando” que ele estava no médico ou no dentista exatamente no horário do crime… e aí? Já soube de casos de adultério nos quais o atestado livrou a cara do adúltero…

  9. Certos trechos do CEO deveriam ficar à mostra para os pacientes.
    Eles não entendem as limitações e, muito menos, o peso que um carimbo tem.
    Não tá satisfeito, pega seu banquinho e saia de mansinho!
    Ótimo post!

A área de comentários / perguntas está fechada. Agradeço a compreensão.

No plantão: Ana Tokus

Cirurgiã-dentista graduada pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pela ABO-PR, convicta de que medo de dentista se combate (também) com informação. Diva-Boss do OdontoDivas e autora do Blog Raios Xis. Twitter: @AnaTokus e @medodedentista